"Os leitores extraem dos livros, consoante o seu caráter, a exemplo da abelha ou da aranha que, do suco das flores retiram, uma o mel, a outra o veneno." Nietzsche

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A REVOLUÇÃO NICARAGUENSE

         A história da Nicarágua conta-se entre lágrimas, turbulência e desigualdade social. País de pequena extensão territorial, localizado na América Central, a Nicarágua foi colonizada pela Espanha até o início do século XIX, quando da sua independência. O país, que permaneceu atrasado durante os quase 300 anos de colonização espanhola, teve perto da totalidade de sua população indígena exterminada. Sua história é também marcada por disputas de poder entre os descendentes de espanhóis, concentrados nas famílias dominantes, que detinham, por sua vez, a imensa maioria das terras.
            A questão da terra é outro fator importante na história da Nicarágua, dada a extrema concentração fundiária. No período do pós-independência a história do país é marcada ainda por conflitos entre a facções políticas dos conservadores e liberais da classe fundiária, e a influência constante dos Estados Unidos desde o início do século XX é outro fator indispensável para se entender a história do país.
Assim, a história da Nicarágua no século XX continua marcada por conflitos. O principal conflito da história contemporânea da Nicarágua é a Revolução Sandinista dos anos 70 e 80, processo revolucionário decorrente das gigantescas contradições e das desigualdades sociais na Nicarágua, em oposição às sangrentas ditaduras da família Somoza. Nos anos 20 e 30, Augusto Sandino, ícone da revolução posteriormente levada a cabo, comanda um exército guerrilheiro contra um governo iníquo e a influência dos Estados Unidos na política do país. Bradando contra a propriedade privada, Sandino, um notório estrategista militar, comanda o movimento insurgente que, formado principalmente por campesinos, assume a bandeira rubro-negra e inspira política e ideologicamente toda uma geração de nicaraguenses.
            O ditador Anastácio Somoza, que assume o poder em 1936, através de um golpe, logo após a morte de Sandino, era filho e herdeiro de um grande latifundiário. Oriundo, portanto, de uma classe tradicional de proprietários de terras, Somoza (Tacho) foi o mandatário em uma violenta ditadura, que preconizaria a violência da ditadura de seu filho, Anastácio Somoza (Tachito). Os anos 30 são de crise econômica na Nicaragua (1929), ao mesmo tempo em que se consolida o regime, o Estado e se constitui a famigerada Guarda Nacional. A produção agrícola, principal atividade econômica do país, gerava grandes fortunas, mas, sobretudo, miséria e desemprego.
Em 1956 morre Somoza e assume seu filho, Luís Somoza, ao mesmo tempo em que Anastácio Somoza, o “Tachito”, assume a chefia da Guarda Nacional. No plano internacional, a Revolução Cubana, em 1959, será uma referência importante para a movimentação política que começava a surgir na Nicarágua. A atuação de Carlos Fonseca, ativista político, foi fundamental no sentido de dar início a uma nova fase nas lutas populares na Nicarágua, além de ter redescoberto a figura de Sandino e tê-lo reconhecido como herói e inspiração para a luta contra as desigualdades e as ditaduras da família Somoza. No período revolucionário subsequente, nos anos 70, os dois tornam-se heróis nacionalistas. Para Fonseca, além disso, Cuba e Nicarágua estariam ligadas por “laços indestrutíveis”
Ainda nos anos 60 surge a FSNL – Frente Sandinista de Libertação Nacional, sob forte influencia da Revolução Cubana – pois os rebeldes esperavam repetir a experiência cubana – e das demandas e lutas de Sandino e da população pobre do campo e das cidades em geral. A FSNL não tem uma data de criação, sendo criada, ao contrário, “no calor da luta”. Nos anos 60 há, com a ajuda financeira dos Estados Unidos, um expressivo crescimento econômico, porém, a população mais pobre não usufruiu desse crescimento, sendo que no campo, por exemplo, a situação se tornou ainda mais dramática.
Os líderes da FSLN tiveram que pensar suas estratégias e respectivas agendas de ação política, elaborando teorias políticas e revolucionárias. A visão nacionalista da FSLN era inspirada em Sandino, e preconizava que a Nicarágua nascera e se definira em função da luta contra o colonialismo espanhol e o imperialismo norte-americano. Em 1967, com o assassinato de Luís Somoza, assume o irmão caçula, Anastácio Somoza (Tachito), que se tornaria o ditador mais notório e cruento da história da Nicarágua.
No início dos anos 70, as divisões e diferenças de classe se acentuam – o analfabetismo, por exemplo, é endêmico. Em 1972 ocorreu um terrível terremoto na Nicarágua, sendo que a capital, Manágua, nunca foi reconstruída, e o ditador Somoza se aproveitou, através de suas empresas e de sua influência, para lucrar com a tragédia. Somoza passa a ser considerado a partir do início dos anos 70 como um “problema nacional”.
A FSLN consegue o apoio de setores da Igreja Católica sob influência da Teologia da Libertação, sendo que a cúpula da Igreja da Nicarágua apoiava o governo de Somoza. Em 1974 ocorre um ataque bem sucedido da FSLN, denominado “Rompendo o Silêncio”. A resposta somozista ao ataque, dada sua extrema violência, através das atrocidades da Guarda Nacional, gerou um novo ambiente político no país, além de gerar indignação nas classes proletárias e do campo.
O ano de 1978 marca o começo da crise final da ditadura de Somoza. Como as ações repressivas de Somoza não cessassem, a atuação da FSLN torna-se intensa, aliada a ações populares espontâneas contra o regime. Uma profunda crise social e econômica acompanha a crise política, sendo altos os níveis de desemprego. Assim, as classes operárias e a juventude nicaragüense tornam-se um importante apoio para a Revolução em curso. São intensas também as ações repressivas, a resistência de Somoza e a violência da Guarda Nacional.
Uma série de insurreições urbanas, de caráter operário, pululam por toda a Nicarágua, principalmente na capital, Manágua. Os revolucionários lutavam por motivos diferentes, as exigências eram diversas, de classe, terra, moradia, emprego, saúde, etc. em 1979 a FSLN e a revolução vencem a guerra civil e assumem o poder na Nicarágua. Prontamente, após a partida de Somoza, há a convocação de eleições. Os Estados Unidos relutam em aceitar a legitimidade do governo revolucionário.
O resultado do conflito foi a devastação do país, já assolado pela corrupção, além dos mais de 50 mil mortos durante guerra revolucionária. Estabelece-se uma Junta de Governo, sendo que o novo Diretório Nacional estabelece uma série de “medidas populares” – medidas de emergência – como a nacionalização da economia. De cara o país enfrenta sérias dificuldades econômicas com a fuga de capitais, que acabou gerando desemprego e altos níveis de inflação. No ano de 1981 a descapitalização e polarização e diferenças de classe pioram intensamente, acompanhada da radicalização da ideologia sandinista.
Além disso, a revolução passou a ser constantemente atacada por ex-integrantes da Guarda Nacional – os famosos Contras – estabelecidos em Honduras e El Salvador, financiados, por sua vez, pelos EUA. Havia, destarte, duas guerras na Nicarágua: uma era a luta de classes e a outra contra o imperialismo norte-americano, através dos Contras. A influência cubana é constante e frequentemente reivindicada pela FSLN, que parecia não conseguir dar conta das demandas e urgências da Nicarágua.
Em 1987 os conflitos militares se desaceleram, ao mesmo tempo em que distribuição de terras declina. A FSLN respondeu a crise do pós-guerra com medidas de austeridade neoliberais semelhantes a outros países latino-americanos. Em 1990 a FSLN (Daniel Ortega era o candidato) perdeu as eleições para a oposição.
Pode-se dizer que uma revolução social autêntica é praticamente impossível sob a influência norte-americana, em território considerado como “quintal”. De fato, o que ocorreu na Nicarágua foi uma revolução popular genuína, que, todavia, não pode superar as contradições insustentáveis do pós -79, entre elas, a de que a elite econômica não detinha o poder político. A derrota nas eleições de 1990 refletiram o sentimento da população nicaragüense em não dar seu voto para um governo que não era mais revolucionário.

Referência

A Revolução Nicaraguense, por Matilde Zimmermann (2010)

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